
O uso de antibióticos em pediatria
INTRODUÇÃO
Os antibióticos constituem actualmente o grupo de medicamentos mais prescriptos quer em hospitais, como em outras instituições sanitárias, sendo a frequência da sua prescripção maior na faixa etária pediátrica, com relevância para o grupo de crianças menores de cinco anos de idade1,2,3.
As doenças infeciosas, são uma das causas de maior procura dos serviços de urgência pediátrica, o que leva ao aumento da prescripção deste grupo de medicamentos nestes serviços. A taxa de prescripções inadequadas tanto no âmbito hospitalar como comunitário, é considerada elevada, estimando-se em cerca de 30-50% dos casos. 4,5,6,.
Alguns factores implicados nesta prescripção inadequada foram identificados, com relevância para o elevado número de pacientes com quadros respiratórios que acorrem a estes serviços, bem como a incerteza no diagnóstico da causa da infecção respiratória (se viral ou bacteriana). Desta feita, conclui-se serem as infecções respiratórias, a principal causa de prescripções inadequadas de antibióticos 7,8,9.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), relatam ser este uso irracional e inadequado de antibióticos, a causa mais comum de problemas relacionados com o surgimento de reacções adversas e da resistência bacteriana a estes medicamentos. 11,12
FACTORES QUE DEVEM SER CONSIDERADOS NO USO DE ANTIBIÓTICOS EM PEDIATRIA
1- Factores relacionados à faixa etária
Alguns factores como a idade e o peso, devem ser analisados no momento da escolha do antibiótico a ser usado, com vista a se atingir os efeitos desejados e reduzir a toxicidade.
2- Factores relacionados às características imunológicas e fisiológicas:
De acordo com cada faixa etária, é comum a ocorrência de doenças provocadas por microrganismos (bactérias) oportunistas, devido a deficiência imunológica e fisiológica decorrente da idade. É importante referir que, o processo de crescimento do sistema imunológico, inicia-se na vida uterina e vai se desenvolvendo até a adolescência, altura em que atinge o amadurecimento semelhante ao do adulto12,13.
3– Farmacocinética pediátrica
Esta relacionada ao conhecimento dos processos que envolvem as etapas que vão desde a absorção, distribuição, biotransformação e excreção dos medicamentos administrados e dos seus derivados metabólicos, permitindo a escolha do melhor medicamento, bem como o entendimento das modificações fisiológicas que ocorrem na população infantil e suas consequências na farmacoterapia12,13.
SITUAÇÕES CLÍNICAS QUE MAIS FREQUENTEMENTE LEVAM A PRESCRIPÇÃO DE ANTIBIÓTICOS
Tendo em conta a grande variabilidade de antibióticos disponíveis actualmente, torna-se imprescindível a realização de uma rigorosa selecção daqueles que deverão ser utilizados, usando-se critérios que permitam o uso adequado dos mesmos. Uma vez avaliada a necessidade de se instituir um tratamento com antibióticos e de acordo com os achados clínicos do paciente; deve-se ter em conta a gravidade e o estado geral da criança; as bactérias mais provavelmente implicadas, segundo o local de infecção; a via de administração a ser usada e a duração do tratamento; os efeitos secundários e o custo dos medicamentos13.
A literatura tem demonstrado, serem as infecções respiratórias agudas, a principal causa de morbilidade e mortalidade em crianças menores de cinco anos de idade, tanto em países desenvolvidos como em desenvolvimento e com a generalização do uso de antibióticos na prática clínica diária, é comum a prescripção dos mesmos no tratamento destas infecções, mesmo naquelas de causa viral. É importante referenciar que muitas vezes, esta prescripção inadequada de antibióticos em infecções respiratória agudas de causa viral, resulta não só da dificuldade clínica em diferenciar infecções virais e bacterianas, como também da pressão que frequentemente é exercida pelos pais da criança doente ao médico13,14.
Um estudo realizado por uma equipa portuguesa de profissionais médicos, com o objectivo de caracterizar a prescripção de antibióticos orais no Serviço de Urgência Pediátrico de um hospital de nível II da região centro do Porto e de Coimbra, encontrou ser a Otite Media Aguda, as Amigdalites e as Infecções do Trato Respiratório Superior, as que mais motivaram a prescripção de antibióticos, sendo a Amoxicilina, seguida da Amoxicilina com Ácido clavulânico e dos Macrólidos, com predilecção para Azitromicina os antibióticos mais frequentemente prescriptos, na faixa etária pediátrica13,14.
CONCLUSÃO
Na prescripção de antibióticos em crianças, devemos ter em conta o uso prudente dos mesmos, com o objectivo de controlar ou alcançar a cura do processo infeccioso e minimizar os efeitos adversos, incluindo a indução de resistências bacterianas. Para o efeito, é importante antes de se prescrever um antibiótico, ter em conta os seguintes aspectos:
1- O tipo de infecção justifica a prescripção do antibiótico? Devemos procurar as características clinicas que diferenciem as infecções virais das bacterianas.
2- Que antibiótico deverá ser prescripto? Devemos ter em conta o local de infecção e os microrganismos mais frequentemente implicados.
3- Que características tem o paciente? Devemos ter atenção a idade da criança, os factores de risco, as alergias.
4 – Dose do fármaco e duração do tratamento. É importante considerar que a concentração necessária do antibiótico, varia em função do local de infecção e que concentrações abaixo das indicadas, induzem resistências bacterianas.
5 – Esclarecer a família sobre o objectivo do tratamento e a importância do cumprimento do mesmo.
6 – Desincentivamos os pais e cuidadores, a prática do uso incorrecto e indiscriminado, sem prescripção médica de antibióticos em crianças.
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